NITROGÊNIO: UMA OUTRA VISÃO
Pesquisadores trabalham em busca de seu uso sustentável; em excesso é poluente e, em escassez, traz fome e desnutrição
Raquel Lima
Raquel Lima
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
Além do aquecimento global, a grave ameaça de escassez de água e da necessidade de se buscar fontes alternativas de energia, mais uma questão preocupa a comunidade científica do mundo: a radical modificação do ciclo do nitrogênio nos últimos 40 anos, principalmente por causa do uso de fertilizantes sintéticos.
Assim como o carbono, a humanidade precisa do nitrogênio para sobreviver, mas desde que seja na dosagem certa. Em excesso, o nitrogênio passa a ser um grave poluente. Em escassez, as conseqüências são a fome e a desnutrição. O desafio dos pesquisadores é justamente encontrar uma forma de uso sustentável do nitrogênio no planeta. “O primeiro caminho para resolvermos esse desequilíbrio é reconhecermos a existência do problema”, disse Luiz Antonio Martinelli, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).
Martinelli é um dos coordenadores do comitê internacional responsável pela 4ª Conferência Internacional do Nitrogênio - N2007, que vai reunir especialistas de diversas áreas e nacionalidades, em outubro, na Costa do Sauípe (BA). “Essa é uma questão multidisciplinar, que envolve vertentes econômicas, sociais, ambientais e agrícolas”, explicou o pesquisador da Esalq.O nitrogênio é indispensável à fotossíntese (promove a coloração verde das folhas), é integrante das proteínas vegetais, auxilia a formação das folhagens e favorece o rápido crescimento da planta. Ainda na década de 60, a disponibilidade de nitrogênio no planeta era controlada por processos naturais, por meio da fixação do elemento pelas plantas. Hoje, a produção sintética do nitrogênio ultrapassa toda a produção natural em até 30%.
Há dois motivos para isso: a criação de fertilizantes sintéticos e a liberação de nitrogênio pela combustão de combustíveis fósseis.Enquanto que a queima de combustíveis fósseis é mais importante em algumas regiões mais industrializadas, a agricultura é a maior causadora das mudanças, de acordo com os especialistas. Fertilizantes nitrogenados sintéticos têm sido essencial na manutenção da crescente população mundial. De acordo com os cientistas, cerca de 70% da proteína de uma pessoa vêm hoje dos fertilizantes nitrogenados.
“Em alguns países, como a China, os fertilizantes são muito baratos. Já em outros lugares, como na África, o preço é altíssimo, a distribuição é ruim, o transporte é insuficiente e a logística não existe”, explicou Martinelli. Quando o nitrogênio não está presente, não se consegue produzir alimentos nos níveis da demanda atual.
OUTROS PROBLEMAS
Por outro lado, quando há uso excessivo de fertilizantes, o nitrogênio não é absorvido pelas plantas e se torna um poluente do solo, da água e também do ar.
Você lembra das tais chuvas ácidas?
Pois é, o nitrogênio tem muito a ver com isso. A queima de carvão e de combustíveis fósseis e os poluentes industriais lançam dióxido de enxofre e de nitrogênio na atmosfera. Esses gases combinam-se com o hidrogênio presente na atmosfera sob a forma de vapor de água e o resultado são as chuvas ácidas.
Outro problema relacionado ao excesso de nitrogênio é um fenômeno conhecido como eutrofização. “Há um crescimento acelerado de algas e outros organismos que, quando morrem, são decompostos utilizando o oxigênio da água.
A taxa de oxigênio cai, causando mortandade de peixes”, explicou Martinelli.. No Brasil, segundo o pesquisador da Esalq, há tanto zonas carentes em nitrogênio no Nordeste quanto áreas que já manifestam excesso do elemento em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Para agravar o problema, os países que sofrem com a carência de fertilizantes podem ter excesso de nitrogênio em alguns ecossistemas por conta do despejo de esgoto não tratado em rios e lagos. “As fezes e a urina são riquíssimas em nitrogênio. Se o esgoto não for tratado, o elemento vai parar em um corpo d'água e causa eutrofização, funcionando como se fosse um fertilizante orgânico”, disse Martinelli. Para o cientista, o desafio que o mundo tem pela frente é encontrar um meio sustentável para o uso do nitrogênio. “Há extrema necessidade de se conseguir balancear a quantidade de nitrogênio de maneira a suprir as necessidades das plantas para produção de alimentos, sem causar danos ambientais”, disse.
Para saber mais sobre a 4ª Conferência Internacional do Nitrogênio, acesse o site: www.nitrogen2007.com. (Com Agência Fapesp).
Em 20 anos, dois terços da população ficará sem água. Dentro de 20 anos, aproximadamente dois terços da população do mundo deve enfrentar escassez de água. O alerta foi feito pela FAO, agência das Nações Unidas para agricultura e alimentação, sediada em Roma. O consumo de água dobrou em relação ao crescimento populacional no último século, de acordo com a FAO. Pouco mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo já não têm acesso a água limpa suficiente para suprir suas necessidades básicas diárias, segundo Pasquale Steduto, diretor da unidade de gerenciamento dos recursos hídricos da FAO.
De acordo com ele, mais de 2,5 bilhões não têm saneamento básico adequado. Steduto pediu maiores esforços nacionais e internacionais para proteger os recursos hídricos do planeta. A irrigação para cultivos agrícolas atualmente responde por mais de dois terços de toda a água retirada de lagos, rios e reservatórios subterrâneos.Em várias partes do mundo, agricultores que tentam produzir alimentos suficientes e obter renda também enfrentam estiagens sistemáticas e crescente competição por água. O que os agricultores têm que fazer, alega a FAO, é armazenar mais água da chuva e reduzir o desperdício ao irrigar suas plantações.“A comunidade global tem conhecimentos para lidar com a escassez de água.
O que é necessário é agir”, defendeu a agência das Nações Unidas. (RL/AAN)A
FRASE
“O nitrogênio é como alguns remédios: na dose certa é cura, na dose exagerada é veneno. Algumas áreas estão padecendo da falta do remédio, outras estão sendo envenenadas.”
LUIZ ANTONIO MARTINELLI
Pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Esalq/USP
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